A Rocinha é uma favela localizada na Zona Sul do município do Rio de Janeiro, no Brasil. Destaca-se por ser a maior favela do país, contando com cerca de 70 mil habitantes.
A comunidade teve origem em meados de 1930, a partir da divisão em chacáras da antiga fazenda cafeeira Quebra-Cangalha. As chácaras foram adquiridas por imigrantes portugueses espanhóis que ali começaram a plantar legumes e hortaliças que vinham a ser vendidas na Praça Santos Dumont, na Gávea. Aos moradores mais curiosos sobre a origem dos produtos, os vendedores passaram a informar que provinham de uma “rocinha” instalada no alto do bairro da Gávea, sendo essa a origem do termo que batizou o lugar até hoje.
Em 1938, com o asfaltamento da Estrada da Gávea, acelerou-se o processo de ocupação por pessoas que acreditavam serem aquelas terras públicas, isto é, sem dono. Em 1950, houve um grande aumento da migração de nordestinos para o Rio de Janeiro e grande parte deles foram habitar a região da Rocinha. O grande aumento populacional foi de forma desordenada e trouxe consigo alguns problemas por falta de saneamento básico, desmatamento excessivo, falta de segurança das construções e outros problemas de infraestrutura.
Em 1970, com a abertura dos túneis Dois Irmãos e Rebouças, houve uma necessidade de se expandir e melhorar a infraestrutura local, dando-se início então aos primeiros progressos na comunidade como resultado das reivindicações ao poder público, como a implantação de creches, escolas, jornal local, passarela, canalização de valas, agência dos Correios, inauguração de uma região administrativa, um posto de saúde,etc.
A existência de facções de traficantes de drogas que administram suas atividades de dentro da comunidade já é caso antigo na Rocinha e assombra os moradores que vivem ameaçados pelo risco da violência e de conflitos entre os bandidos e os policiais que às vezes acabaram resultando em tiroteios. Após a instalação da UPP na comunidade em 2011, a situação ficou ainda mais delicada. Sob a justificativa de levar segurança pública até a comunidade, os policiais ocuparam o morro e muitas vezes vêm a público denúncias de truculência e abuso policial, como o “Caso Amarildo” que ganhou repercussão nacional, mas até hoje não foi resolvido.
O documentário tem como objetivo ser um filme informativo e/ou didático feito sobre pessoas, animais, acontecimentos (históricos, políticos, culturais etc.) ou ainda sobre objetos, emoções, pensamentos, culturas diversas etc. A produção de um trabalho desse porte tem um compromisso com uma abordagem real que deve priorizar uma transparência no processo de levar o que os produtores estão vendo durante o processo de construção da obra até a chegada dela a visão do expectador.
Quando decidimos assumir um cunho social em nossa produção, devemos nos ater a que representação social iremos abordar. Baseados nos conceitos de Bill Nichols, nos enquadramos como um documentário participativo, uma vez que toda a equipe se propôs a se inserir diretamente no espaço que seria a temática do curta e registrar aquela realidade de maneira autêntica, procurando recriá-la a sua semelhança. A ideia de “cinema verdade”, como Rouch e Morin denominaram, contempla a identidade de exposição da realidade crua, verdadeira e com poucas interferências diretas, que buscamos apresentar no documentário. Francisco Elinaldo Teixeira explica essa dinâmica da representação da realidade em Sobre fazer documentários:
Essa matriz da presença na/da realidade como aquilo que fundava o modo de ser do documentário (...) foi um dos seus primeiros aspectos a ser desconstruído, já com o advento do documentário moderno. Não no âmbito do cinema direto (...) mas no do cinema-verdade, que a pressionava de tal modo que a fazia se dobrar numa multiplicidade de aspectos que acabavam por transformá-la entre o que ela era antes e o que será depois do filme completo. (TEIXEIRA, 2007)
Desse modo, nosso documentário foi capaz de exteriorizar questões latentes que permeiam não somente a Rocinha como também outras favelas brasileiras. O dia a dia dos moradores, seu lar, seu trabalho. Através dos relatos de pessoas que vivem na Rocinha, Vista do Morro apresenta uma visão que, muitas vezes, entra em contradição com o que é apresentado na mídia.
A Rocinha, por ser uma comunidade localizada na Zona Sul do Rio de Janeiro, e também vizinha de São Conrado, um dos bairros mais elitizados do Brasil, recebe grande atenção midiática quando há confrontos armados. Em outubro de 2017, depois de um tempo em que muitos acreditavam na total pacificação da comunidade, a guerra entre facções ressurgiu de modo que ocupou grande parte dos grandes noticiários brasileiros. É importante frisar que de modo algum o que está sendo dito é que confrontos na Rocinha não mereciam a devida cobertura da mídia. Entretanto, é interessante observar, a partir de análises e buscas detalhadas, que essa mesma atenção não é dada a outras comunidades da Zona Norte, Zona Oeste e/ou Baixada Fluminense, comunidades estas que vivem um cotidiano de confrontos diários e não ocorrências isoladas.
Além da problemática exposta, o documentário se preocupa em ouvir dos moradores da Rocinha como é, de fato, o cotidiano na favela. Buscando ultrapassar o senso comum e quebrar estereótipos, Vista do Morro traz com os relatos dos moradores um olhar de cotidiano simples e, como dito em vários momentos por eles, normal.
A questão das tours nas favelas é muito discutida nos meios acadêmicos. No documentário, a questão é trazida a partir dos olhares dos moradores da Rocinha e dos próprios turistas, que visitavam a Rocinha. A partir da fala dos dois grupos, é percebida a importância do estar e do olhar pessoal, sem interferências midiáticas. No entanto, é importante olhar através, além do viés do conhecimento, e não naturalizar, romantizar e/ou exotizar a glamourização da pobreza.
De modo geral, o documentário tem o poder de fazer conhecer. Com o avanço das tecnologias digitais é cada vez mais possível cativar o real subjetivo, ou seja, hoje em dia pode ser muito mais fácil de filmar que a ficção. Desse modo, partimos do princípio de que o documentário não reproduz o real, que não é o retrato do real, mas produz visões subjetivas de diferentes aspectos da realidade. Nesse sentido, há muito de construção e dimensões ficcionais, o que é possível perceber no Vista do Morro: com imagens da equipe em cena, aparição de momentos de construção de uma certa intimidade com o “outro”.
A presença da Rocinha nas grandes mídias é recorrente - vemos na TV e nos jornais - e na maioria das vezes para falar da violência vigente e vender a imagem de um lugar extremamente perigoso para o resto do mundo, como se fosse só isso: um estereótipo. Mas a comunidade é muito mais que isso, é um lugar singular pela soma das diferenças, pelo excesso de movimentação e pela rotina 24 horas, muito mais que só operações policiais.
O documentário Vista do morro busca, através de uma incursão à Rocinha, conhecer personagens que têm suas histórias pessoais atreladas à história local e estão dispostas a compartilhá-las. Essas pessoas que estão ali, vivendo e trabalhando, fazendo parte do dia a dia local. Buscamos também entrevistar turistas que estavam fazendo um “favela tour” na região e questioná-los acerca de suas motivações em conhecer o lugar e estarem ali de passagem, suas opiniões a respeito da experiência.
Vista do morro tem como objetivo trazer um cunho social ao demonstrar um olhar mais profundo, mais próximo, e com clima mais familiar quando aborda certas questões, como há quanto tempo mora-se lá, se sairia de lá ou se gosta de viver lá. Também em alguns momentos há uma abordagem mais política, quando é perguntado a opinião das pessoas sobre a UPP ou sobre a cobertura da grande mídia em relação aos acontecimentos recentes e as narrativas da comunidade. Tudo isso é tentado mostrar em apenas 17 minutos de duração.
Desenvolvimento e produção
O documentário buscou dar uma ênfase maior aos seus personagens tanto através do roteiro quanto esteticamente. Os planos focam o olhar do espectador nas reações e respostas dos nossos entrevistados a nossas perguntas. Quanto às entrevistas, entendemos que tínhamos que estabelecer uma certa intimidade com nossos personagens para poder extrair o que havia de mais sincero dentro deles. Para tanto, fizemos, inicialmente, perguntas de cunho mais pessoal. Além de nos conectar aos entrevistados, isso serviu também para conhecermos melhor o contexto em que viviam.
Esteticamente, optamos por uma abordagem simples e direta, que captasse principalmente as expressões e reações dos nossos personagens. Para isso, utilizamos muitos planos fechados nos rostos dos entrevistados. Além disso, optamos também pela câmera na mão na maioria dos casos por conta do seu efeito de realidade aliado a um senso de subjetividade por acreditarmos que esta última sempre está presente nesse processo de apreensão dos fatos.
Na edição, preferimos cortes secos ou com transições um pouco mais bruscas. Na montagem, decidimos por selecionar o que consideramos mais essencial na fala de nossos entrevistados. Isto é, o contexto social e individual em que estavam inseridos e o que sentiam em relação a Rocinha nos mais diversos aspectos. Acreditamos que essa seria a melhor abordagem devido ao tempo reduzido que dispunhamos para uma análise e um mergulho mais aprofundado na vida desses personagens.
Roteiro
Nosso grupo decidiu por não ter um roteiro na pré-produção. Essa escolha foi feita para que pudéssemos ser livres e fazer perguntas personalizadas para cada entrevistado a partir da primeira resposta. Portanto, a única coisa em comum nas entrevistas era o gatilho inicial, sobre a ligação dos entrevistados com Rocinha. Desta questão, surgiam as demais, distintas para cada um. A necessidade de algo mais fluido fez com que optássemos por não fixar tempo de entrevista, número de perguntas nem quais seriam as perguntas.
Equipe
Todos os membros do grupo participaram do desenvolvimento do projeto até a edição final, sendo que também desempenharam funções específicas como:
Adyel Beatriz - diretora de edição;
Haluiry Damian - assistente de produção;
Luiza Lunardi - diretora de produção ;
Marcos Vinícius Lisboa - diretor de fotografia e cinegrafista;
Taísa Alcantara - sonografista.
A realização do documentário busca aproximar o interior da Rocinha do exterior, ou seja, quem assiste nosso documentário. Muitas vezes, as pessoas só conhecem,como falamos, a Rocinha exposta pela mídia, vendo o documentário, a nossa proposta é o que o espectador conheça um pouco do lado B e que sinta empatia, se surpreenda com as respostas ou simplesmente assista formando um novo pensamento sobre a questão.
Acreditamos que atingimos nosso objetivo final que era retratar da forma mais sensível e honesta possível essas vivências e as diferentes visões da Rocinha. A hipótese que tínhamos formulado antes de gravarmos o documentário foi confirmada: a maior favela da América Latina não cabe nas categorias de lugar do crime e da violência como sempre é retratada na mídia. A Rocinha é lugar de memórias, afetos, contradições e produções culturais e econômicas.
A experiência de fazer o filme foi mais que rica para todos os integrantes da equipe. Não só conhecemos melhor uma realidade que para a maioria de nós era até certo ponto distante, como também criamos certo vínculo com nossos entrevistados e suas histórias. O documentário nos abriu a mente para a complexidade das relações e do contexto que permeiam a Rocinha. Por fim, compreendemos que para além do tráfico e da violência (praticada muitas vezes pelo próprio Estado), a Rocinha é um lugar, no sentido mais rico da palavra. Isto é, a Rocinha é a casa de muita gente: o espaço onde seus moradores se sentem acolhidos, e onde a história é escrita pela vivência do dia a dia e pelos afetos que a atravessam.
Referências bibliográficas
Sobre fazer documentários: “Doc: expressão e transformação”. Vários autores. – São Paulo : Itaú Cultural, 2007.
Rocinha. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Rocinha, acesso em 18/12/2017.