o último jogo do mundo
Era uma quarta-feira. Eu passei dias ansiosa, só sabia falar sobre o jogo com os meus amigos diários (aqueles que estão sempre junto). Era o dia em que o São Paulo enfrentaria a LDU pela Libertadores, no Morumbi. Acordei tentando encontrar o motivo por não ter comprado ingresso para ir. O relógio desperta e lembro que eu tinha uma vida na linha do mar, cerca de 430 km de distância. Fui correr.
Depois das férias, consegui colocar alguns planos em prática para me manter mais saudável física e mentalmente. Lembrando da vida de fevereiro, vejo que era muito feliz. Correr no Aterro do Flamengo, um banho gelado depois, um café da manhã daqueles bonitos e trabalho. Notícias, podcasts, e “caramba, é hoje que esse time maldito tira minha alegria. Vou comprar cerveja depois do trabalho”.
Meio-dia no Rio não é fácil, ainda mais no início de março, começo do fim do verão. Sigo para o ponto em busca do 422 mais gelado da frota. Ele vem, entro e sento do lado da sombra, esboço uma ler o livro que carrego há meses, mas pego o celular. Aquele dia eu ouvi rap e alguns pagodes melodramáticos. Comento em todas as postagens do São Paulo, penso em fazer promessa, mas não sou boa nisso (se faço promessa, é certo que vou perder). Trânsito na Primeiro de Março. Aquela suruba de ônibus em frente ao fórum e a quantidade obscena de táxi me deixam nervosa. Quero descer, é um ponto de diferença, mas o sol de meio-dia do Rio não é fácil.
Chego no trabalho depois de praticamente correr a Rua da Assembleia e de odiar as pessoas que caminham mexendo no celular ou em bando, impedindo passagem. Raphaela, minha amiga e companheira de trabalho, é flamenguista. Não perco uma oportunidade de provocar flamenguista, mas naquele dia, o coração aflito era o meu. Eu me detestava por ter confiança no time que tinha empatado (no sufoco) com o Binacional semanas antes. O time taticamente mais fraco da tabela. Eu queria tanto que acreditava. Trabalhei bastante naquele dia, a ansiedade pelo jogo me acelerou a produzir até com mais concentração e assertividade.
Sete horas da noite, caminho da Rio Branco até a Cinelândia em busca novamente do 422. Amava essa caminhada diária até a Cinelândia, amo o centro do Rio. Com a companhia fiel de Raphaela, paro no churrasquinho de rua da Cinelândia. Peço um coração e uma brahma, o pagode alto, o dia indo embora. Entre papos e papos, o futebol é presente, a alegria e a raiva que ele proporciona. Vamos para o ponto, nos despedimos. Entro no 422 que aquela hora do dia poderia ser menos gelado. Desço no Largo do Machado em direção ao mercado. Chegou a hora de comprar a cerveja. Compro. Quente.
Em casa, regulo a geladeira para gelar a cerveja mais rápido. Preparo um café sem saber por quê. Falo com a minha mãe por vídeo chamada, falo sobre o jogo e zombo do meu pai e do meu irmão, corintianos, eliminados na pré-libertadores.
Faço meias coisas até o jogo começar. Preparo a TV com a minha transmissão online. Tudo certo. Apita o árbitro. Início de jogo. São Paulo inicia incrivelmente bem e mantem o ritmo. Gritos na vizinhança me avisavam sobre gols do Flamengo. O twitter, com alguns minutos de antecedência, me avisava sobre gols do São Paulo.
Eu não gosto de assistir jogos do São Paulo acompanhada por virar uma pessoa insuportavelmente clubista, estressada e por perder a linha. Momentos de endorfina no céu. Gritei muito. Os meus gritos aconteciam em momentos de silêncios aleatórios: num bairro em que a maioria estava prostrada vendo o jogo do Flamengo, eu comemorava o gol do São Paulo depois de minutos que ele tinha sido marcado.
3x0 o resultado. Esqueci as cervejas no freezer, mas nem precisei delas. Jantei e bebi chá. Sorrindo. Planejando o próximo jogo porque tinha acabado de decidir que iria de qualquer modo. Contra o River Plate, também no Morumbi. Era um sonho. Foi um sonho. Que dia bom. Dormi.
Futebol é bom quando não é ruim, torcer é legal. Saudade de tudo que envolve esse dia.