pé de manjericão na janela
O Rio chove e muda. Sim, é o Rio quem chove, não o contrário. As ruas ficam silenciosas, mas se você caminhar por elas, é provável que encontre algum pagode tímido acontecendo num beco ou garagem. O Cristo está dentro das nuvens. Em um pensamento louco, eu imagino ele curvado e com as mãos na cabeça. Exausto. Exausto dos braços abertos e daquela mesma visão de sempre. Mas que visão boa, não sejamos ingratos. Pelo menos tem o Atlântico. Iemanjá pra quem é de axé. Ou só um azul que se confunde com o céu.
Desde criança, estar na praia desperta em mim as curiosidades mais estranhas possíveis. Eu acreditava piamente que se eu conseguisse cavar toda a areia, chegaria na China. Eu tinha uma pá e ficava cavando areia insistentemente, mesmo não gostando muito de areia. Na mesma intensidade neurótica, pensava que a África era logo ali, era só atravessar o mar. Estando em alguma praia do litoral sul de São Paulo. Porventura, é só atravessar o mar. É um plano que eu ainda tenho, conscientemente, por forças ancestrais. Hoje em dia eu moro perto do mar. Nunca estive tão perto.
Eu sei exatamente quando o mar está perto por causa do céu e do vento. Sempre digo que em tal lugar o céu é de mar. O céu de mar é diferente. Mais limpo, menos carregado. Mais azul ou mais branco, depende do clima. É como se o céu servisse de guia pra onde eu tenho que ir ou pra onde eu tenho que me afastar. O mar se impõe em temporais, é quase que uma lembrança. “Eu estou aqui”. Nunca vi tanto vento como em dia de temporal no Rio de Janeiro. A brisa do mar deixa de ser brisa e toma uma força absurda que destrói algumas coisas, faz cair árvore.
A garoa fina que caía há pouco deu lugar a um raio de sol. O Cristo, pelo jeito, teve de voltar a sua posição de sempre. As nuvens estão indo embora. O céu do mar está cinzento quase lilás, contração de luzes, porque, apesar do raio de sol, a garoa fina voltou. É ciclo, mas parte do céu tem nuvem e a outra, não.
As pessoas na rua já desistiram e andam na garoa mesmo.
Eu vejo pássaros e acho, sim, que a vida pode ser boa e bonita. Tudo pode. O mistério move quando a dor não transborda e paralisa, mas acontece de transbordar às vezes. Tudo bem. A vida é grande e o mundo é imenso. Até estátua se cansa, veja bem.
O Rio pra mim é isso: andar de chinelo e bermuda na chuva.