Dois de Dezembro: do Catete ao Flamengo
Escrevi esse texto em 2018 pra uma disciplina da faculdade. Muito carinho por ele e pela rua onde andei por dois anos. Respeitei os erros.
A rua do Catete e um homem negro com seus dreads, guitarra e livros cortam a rua Dois de Dezembro. Dois de dezembro dá nome a uma música do João Nogueira e, não à toa, é Dia do Samba. Entretanto, o porquê de a rua levar esse nome se dá em homenagem ao dia em que Pedro II nasceu. Há confusão quando se pergunta qual o bairro abriga essa via; pode ser Flamengo, pode ser Catete, pode ser, simplesmente, Largo do Machado mesmo, mas é fronteira dos bairros ou depende do ponto de vista.
Da Praia do Flamengo à Bento Lisboa, arranha-céus coloridos tentam esconder o azul às vezes branco do céu. Se vier da Praia, tem o Castelinho do Flamengo, um casarão antigo rosado inspirado nas tendências estéticas italianas dos anos 30. Foi residência do comendador Joaquim da Silva Cardoso e de sua esposa Carolina e de mais algumas famílias ricas. Hoje é o Centro Cultural Oduvaldo Viana Filho e faz parte da lista de lugares mal-assombrados do Rio de Janeiro. Se vier da rua Bento Lisboa, encontra-se um boteco de esquina: cerveja de todo tipo e quentinha por dez reais.
Boteco é coisa que tem mais de um pela rua. O clima caloroso chega a lembrar o nordeste. Litrão, porção de mandioca (ou aipim ou macaxeira) com carne de sol e uma mesa que reúne homens de meia idade que não conversam muito entre si, aparentemente cansados, e observam o redor. A caixinha de som que toca um forró fica em cima da mesa, no meio de vários cascos vazios de cerveja, e embala a noite. A lanchonete que serve açaí com groselha e um monte de esquisitice fica na esquina com a rua do Catete. Em frente, um Mc’Donalds é usado por muita gente como passagem entre o Largo do Machado e a Dois de Dezembro.
Caminhando, é possível encontrar um homem e uma mulher brigando no meio da rua, cada um com um taco na mão, e uma outra mulher que atira pedregulhos em um dos dois ou nos dois. Barracas de frutas e livros e flores anunciam alguma feira do bairro Catete, de quem Machado de Assis tanto falava. Os porteiros parecem família, ficam nos portões, batem papo e se comunicam com os olhos. O João, o seu Zé e outros palpitam sobre o movimento e sobre taxistas atrapalhando o tráfego e criando mais aglomeração que o próprio farol. O Oi Futuro, todas as noites, ilumina sua grande parede com arte e é espaço de exposição artísticas e de ideias; alguns o visitam apenas para tomar café no terraço e conversar sobre a vida ou sobre qualquer outra coisa.
Além do vai e vem de carros, o vai e vem de pessoas também é intenso. É gente que passa do morro Santo Amaro, gente da própria Dois de Dezembro e de diversos lugares ou de lugar nenhum. Apesar da loucura, há um templo japonês e um espaço de ioga (que a primeira dama do estado do Rio frequenta, segundo o porteiro) e uma loja cheirosa, o Lago das Fadas, de produtos esotéricos. Algumas janelas se manifestam com Ele Não, Haddad 13, bandeiras do Brasil ou através de placas que homenageiam Marielle Franco. Em tempos de eleições e de extrema-direita, muitos gritos de protestos durante os horários eleitorais. Agora, Largo do Machado quer fim de ano e quer carnaval, para variar. A Dois de Dezembro muda em algumas coisas, moderniza, mas continua a mesma: caótica, tranquila e plural. Continua sendo caminho de carros e pedestres e continua sendo lar.
De manhã, cachorros passeiam para o Aterro com homens e mulheres que vestem trajes esportivos e fones de ouvido. Alguns cachorros não têm dono e passeiam para qualquer lugar o dia todo. O destino de muitos é o Largo do Machado, que fica ao lado da quase pequena-grande Dois de Dezembro.
No começo, a Beira Mar da Praia do Flamengo; no meio, a rua do Catete; e no fim, a Bento Lisboa. Ou vice-versa.