diário de um vinte e quatro de outubro que ninguém se importa

Adyel Beatriz
4 min readFeb 26, 2019

Quarta-feira, vinte e quatro de outubro de dois mil e dezoito. Passa das três da tarde.

A vida, às vezes, não basta. A rotina, por sua vez, basta demais. Eu estou em alguma igreja católica da zona portuária do Rio, sei que estou próxima à Pedra do Sal. E era justamente para lá que eu estava indo. No caminho, avistei uma escadaria, típica de entradas às vilas da região portuária, e logo encontrei essa igreja. Eu gosto muito de conhecer templos católicos pela estética e tenho a curiosidade como guia turística. Entrei, peguei uma revista que estava à disposição na entrada, igreja vazia e portas abertas, como de costume de igrejas católicas. Paz e Bem é o nome da revista. Comecei a folheá-la sem por quê. Hoje eu estou fazendo tudo sem por quê.

Antes de tudo, ao sair da faculdade peguei o 583 (ônibus que faz um percurso doido pela zona sul , ele é circular entre o Leblon e Cosme Velho), era para eu descer no Largo do Machado, como sempre, mas só desci no Cosme Velho, no ponto final. Coloquei os fones e fui. Infelizmente, foi rápido demais (eu amo andar de ônibus pelas cidades, pois é). Desci em um lugar com pouco comércio e muita gente branca (é a zona sul do Rio, né?!). Avistei um Bobs, fui comer. À priori, eu queria chegar na Lagoa, mas não sabia como fazer isso de ônibus. Então, dei sinal para um 422, que vai para o Grajaú. Poderia, de novo, ter descido no Largo do Machado, mas só desembarquei na Praça XV. Caminhei até a Praça Mauá pensando em como eu queria visitar os meus tios-avós, se eles fossem vivos, em Vicente de Carvalho. Lembrei dos verões naquele quintalzão e da piscina de plástico. A vida era fácil e simples. Saudade e nada era tudo o que eu sentia. Sinto.

Sentei em frente ao Museu do Amanhã. A vida, por instantes, foi muito bonita vista de lá. Tinha um moço tocando funk com violino, tinha um vendedor de água de coco perto… Ele dançava e sorria. As pessoas sorriam em volta, eu sorri. O vento avisava chuva, mas eu aprendi que o Rio de Janeiro nunca começa com tempestade. Segui e cheguei aqui. Não sabia onde estava até há pouco, mas uma moça, voluntária da Ordem Franciscana, veio conversar comigo. Igreja de São Francisco da Prainha. Ela mora na Pavuna, conversamos por um tempo. Ela estava curiosa com o fato de eu estar lá sozinha, e começou a me perguntar, mas depois eu que a enchi de perguntas.

Ela falou que a Igreja fechava às quatro. O relógio marca três e meia. Não sei se foi uma indireta, mas senti que era a minha hora de partir. Fui me despedindo e comentei que iria para a Pedra do Sal. Que erro. Ela, como boa carioca, disse que era melhor eu não ir lá sozinha porque “lá é perigoso”. Eu fui, nem pensei. Já conhecia a Pedra do Sal. Antes, parei no Largo de São Francisco da Prainha e fiquei observando. Vi Rafael Braga pintado em uma porta de algum estabelecimento. Fui para a Pedra. A zona portuária, assim como Madureira e outros lugares do Rio, faz eu me sentir ligada com a minha história, com o passado. Ancestralidade. Eu sempre fico à flor da pele. Cheguei na Pedra do Sal, não é dia nem hora de roda de samba. Subi, desci e fui embora. Eu, na verdade, só queria uma cerveja.

Sentar sozinha em um bar, beber e escrever (ou só beber). Caminhei sentido centro, de volta, procurando algum lugar não-tão hostil (com não-tantos homens) para sentar e beber. Demorei um pouco para encontrar esse lugar. Só fui andando por não sei quais ruas, perdida e tranquila. Interessante foi caminhar, enxergar e descobrir. Eu queria chegar na Rio Branco, lá eu me encontraria, mas segui por uma rua que só dava em outras ruas desconhecidas. Tudo bem. Voltei ao objetivo principal: sentar em um bar e beber. Chuvisca. Ruas meio molhadas, estranhas. Horário de pico. Entrei em uma espécie de beco largo, coberto por uma grande tenda azul e com várias mesas. Encontrei o bar onde estou bebendo chopp e escrevendo.

Engraçado que, hoje, por onde eu sento para escrever pernilongos picam as minhas pernas descobertas.

Com uma caneta azul estourada manchando papel e pele, com o chopp escorrendo e melando a mesa, com a bexiga cheia, escrevo. Bar Rei da Sardinha, fica na esquina entre a rua Miguel Couto e a avenida Marechal Floriano. Escrevo sem motivo ou pretensão. Escrevo entre pausas, tropeços nas ruas, no meio de muito barulho de obra e de gritara dos garçons. Escrevo porque o nada pede para ser ressignificado. Já meio tonta, estou grata. Escrevo porque eu conheço onde estou, mas não sei bem onde é. Termino porque meu copo está cheio, de novo, e uma vida ainda está para acontecer.

Dezesseis (eu acho, não entendi a letra) e quarenta e cinco.

Ah, depois do chuvisco, começou a garoar. É, o Rio nunca começa com tempestade.

A vida, depois do bar, continuou acontecendo e eu preciso escrever a insignificância do que aconteceu… Mas só depois.

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Adyel Beatriz

despretensiosamente escrevendo e lendo sobre tudo que me interessa e geralmente qualquer coisa me interessa, principalmente tudo. adyelbeatriz.contently.com